A bolsa ou a vida
Sabemos muito pouco a respeito do que realmente está por trás dos discursos e decisões políticas. Só vemos as pontas de icebergs que afloram nas mídias e os bastidores aparecem como fofocas de gabinetes travestidos de informações estratégicas. Tentativas de adivinhar os meandros das conspirações tornam-se infindáveis quebra-cabeças cujas peças e movimentos são quase sempre revestidos por cortinas de fumaça.
Mas após o pronunciamento de 24/3 do presidente da república o outro presidente, da câmara dos deputados, forneceu uma peça importante do enigma que reveste as ações frente ao coronavírus, ao declarar que não se pode arriscar a vida dos brasileiros porque alguns empresários que especulam na bolsa estão nervosos com possíveis perdas e concluiu invocando um princípio do capitalismo, que a bolsa é atividade de risco, as perdas são possibilidades que fazem parte do jogo.
A nação está à mercê deste tipo de gente, especuladores que barganham lucro com vidas. O peso maior, na barganha, é seu ganho, que não admitem perder e nem mesmo deixar de ganhar, que querem lucrar em quaisquer circunstâncias, sob quaisquer condições e a qualquer preço. Em suas contabilidades macabras milhares de vidas são apenas um número a fatorar. Sua ganância passa dos limites do respeito, supera a necessidade da sobrevivência, extrapola todo e qualquer valor humanitário. Não tem sensibilidade para com a dor e o sofrimento, não abrigam um pingo de solidariedade. Estas pessoas estão pressionando, orientando e decidindo, por trás e às vezes na frente de todos, o destino do país em um momento que requer o oposto do que pregam e fazem.
Houve um momento, neste país, em que acreditávamos firmemente na nossa dignidade e importância como povo e como participantes do destino da humanidade. Tínhamos orgulho não só de nossas belezas e riquezas naturais, mas de nosso caráter e víamos um significado na nossa maneira de ser. O Brasil tem, na visão de muitos de nós, uma séria contribuição para a civilização mundial. A identidade do brasileiro comum, apresentada em muitos veículos de disseminação cultural, era de um ser generoso, receptivo, amigo e solidário (ressalvadas as características dos poderosos, que em sua grande maioria constituem uma classe universal, supranacional).
Com nossa afetividade, simpatia e criatividade conquistamos o mundo. Onde quer que nos apresentemos como brasileiros suscitamos sorrisos acolhedores, carinho e respeito, não despertamos rejeições. Mas os tempos estão mudando. Hoje, nossa imagem está se tornando a de um país de gente egoísta, mesquinha, sem escrúpulos sem educação e que pouco se importa com a cultura, devastadores do meio ambiente, que trata tudo como negócio e aceita o lucro como valor norteador de sua existência. Esta imagem por enquanto ainda é compreendida como reflexo de uma classe especial, a dos que ocupam posições de poder no país. O perigo, a ser expurgado, é ela, de uma forma ou de outra, contagiar toda a população.
Walter Ferreira de Oliveira